quarta-feira, 17 de outubro de 2007

MULHER DO PADRE !


Não gosto muito desse conto (é uma adaptação de um roteiro de um curta que nunca fiz), porém estava na hora de postar algo... vai esse mesmo! Um tipo de drama... ta mais pra negro humor do que pra humor negro... talvez uma justificativa para aquela idiotice (que vem desde os tempos de criança) de que o último a chegar é mulher do padre.


Três meninos saem da escola. Eles são: Marcos, João e Adair. Marcos é negro, João é descendente de alemães e Adair de índios. Eles estão caminhando em silêncio até que Marcos resolve abrir a boca:

- Eu queria falar uma coisa com vocês.
João foi logo se atravessando na frente do assunto pensando em se defender.
- Já sei, é sobre a missa de ontem, eu não achei o vinho, por isso tive que dar suco de groselha para o padre.
- Não é nada disso! Ontem eu vi que você se atrapalhou todo na missa mesmo... mas não é nada sobre isso que eu quero falar. É sobre a mulher que irá visitar o orfanato hoje à tarde.
Adair não perdeu a oportunidade de tirar a esperança de Marcos.
- Vai me dizer que você tem alguma esperança?! Não é mais um bebê e ainda por cima é feio.
João arrematou (meio que demonstrando um resquício de preconceito camuflado).
- E negro!
- É justamente por isso que dessa vez eu tenho chance, a mulher é negra... e quer um menino grande.
João demonstra interesse.
- Mas ela pode querer um guri branco, assim como eu.
Adair discorda.
- Só se for para maltratar. Ouvi dizer que quando alguém adota uma criança de cor diferente da sua é só para maltratar, fazer de escravo!
- De qualquer forma, existem outras crianças negras no orfanato – disse João, tentando acabar com a esperança de Marcos.
- É, mas o padre disse que vai me ajudar!
Adair afirma com uma certa mágoa.
- Ele diz isso desde que eu nasci!
João concorda.
- Sempre diz!
Marcos não gosta muito do que ouve. Todos ficam tristes ao lembrar do padre. Eles param de andar e olham a igreja lá do outro lado da pequena cidade. Rapidamente, Adair diz:
- Hoje é a sua vez João.
- Não é nada! Eu fui ontem.
Marcos afirma.
- Ontem fui eu.
- Então é você João.
João fica bravo.
- Você não manda em mim!
E Adair que sempre foi o mais “pavio curto” dos 3, diz:
- Se você não for, eu te encho de porrada!
Marcos, o apaziguador entra em ação.
- Chega! Não adianta a gente ficar brigando, o padre está esperando. Eu já sei como resolver isso...

Marcos estica a perna para frente e se posiciona como um atleta de maratona. João olha curioso para Adair que também não estende nada.
Marcos explica:
- O último que chegar é!
Os outros dois meninos se posicionam ao lado de Marcos. Ficam os 3 olhando fixos para frente, prontos para disparar o mais rápido possível. O olhar de Marcos para cada um dos dois quis dizer “FOI!”. João e Adair disparam correndo alucinados enquanto Marcos vacila um pouco na largada, propositalmente.

Av. Pres. Jader Bertola: João lidera a corrida tranqüilamente, até perde tempo lendo uma propaganda num outdoor “Contra prisão de ventre tome Vaza Toba, o infalível!”, continuou correndo, porém com diversas dúvidas na cabeça: O que vem a ser prisão de ventre? Será que tem a ver com a dança do ventre? Será que é uma prisão para dançarinas de dança do ventre? Pode até ser, já que o padre disse que aquela dança é pecado... e geralmente pecado é crime... assim como assassinato, roubo, essas coisas.

Praça do Mendigo Punheteiro: Adair em segundo lugar, corre desesperado, está quase no meio da praça.

Rua das bergamotas: Marcos em último lugar, não parece nem um pouco preocupado com sua posição na corrida, tanto que até se deu ao luxo de dar um belo chute na bunda do banzé (cachorro da dona Jandressa que estava “grudado” na cadela sem vergonha – que ninguém sabe o nome – do dono da tabacaria – que ninguém lembra o nome).

Igreja de São Valadão: João chega na escadaria da igreja e cai de cansaço. Logo após chega Adair. E por último, Marcos. Abre-se a porta da igreja. É o padre, ele olha para os meninos e aguarda a subida de um deles. Marcos olha para seus amigos, os dois estão de cabeça baixa. Sabendo que foi o último a chegar, ele sobe os degraus rapidamente e entra na igreja. O padre olha para os outros dois e sorri (o brilho do dente de ouro chega a cegar os meninos, e ambos sentem um frio na espinha ao lembrar do que aquela boca podre – e aquele dente bagaceiro – já foram capazes de fazer).

João e Adair vão embora de cabeça baixa. O padre entra e fecha a porta.
João comenta com Adair:

- Fiquei com uma dúvida.
- Se é o que estou pensando, também acho.
- Acha mesmo?
- Ele perdeu de propósito...
- Não é essa dúvida, isso ficou claro, problema é dele!
- O que é então?
- Você sabe o que é prisão de ventre?
- É um tipo de cadeia feminina... pra mulher vagabunda que dança feito uma lombriga.
- Eu sabia!