sábado, 25 de setembro de 2010


Faz tempo que não escrevo textos, apenas roteiros... não vejo sentido em escrever algo que ninguém vai ler, pois não posso publicar um livro com apenas um texto, por isso escrevo roteiros, sei que um dia posso filmar o que escrever, porém ontem me aconteceu uma coisa que me afetou e despertou em mim o interesse de escrever sobre o assunto, mesmo sabendo que ninguém vai ler... nesse momento não me importo com isso, sabe por que? Leia o texto e saberá... mas já adianto, pra quem está acostumado a ler o meus textos infames, este texto é verdadeiro, infelizmente...

O CACHORRO MAIS FELIZ DO MUNDO

Sempre tive problemas com animais. Problemas sentimentais... prefiro acreditar que eles não tem alma, espírito, não pensam... e assim vivo melhor, chuto um cachorro quando me incomoda, jogo o gato na parede quando o encontro em cima da mesa, piso no caracol pra ouvir a casquinha se quebrando e mato a barata porque ela é barata. Enfim, sós, ou melhor, só. O cachorro some por meia hora, o gato por dois dias, o caracol e a barata para sempre.

Meu problema começou quando eu tinha sete anos de idade e meu padrinho infeliz me deu de páscoa, um coelhinho, lindo, branco com os olhinhos vermelhos. Eu esperava que um coelhinho me trouxesse chocolate, e no entanto um leitão me trouxe um coelhinho... sim, o meu padrinho era um gordo escroto, e certamente o pobre coelhinho ele deve ter adquirido de alguma forma ilegal. Ta certo que quando eu vi o bichinho, lembrei que ele sempre me dava chocolate tipo “sabão” (aqueles chocolates que tem gosto de sabão gaúcho, marca diabo...) e amei o coelhinho desde então.

No outro dia, antes de ir pra escola, enchi a caixinha dele de folhas de repolho, couve e cenoura, pensei em dar salsa, mas alguém me disse que salsa mata coelho, até hoje não sei isso é verdade, mas na dúvida não dei. Quando sai da escola, corri pra casa para ver meu coelhinho. Cheguei e fui logo colocando a mão dentro da caixinha para pega-lo, e gelei ao encostar meu dedo num troço gelado... era ele, meu coelhinho morto e estufado de tanto comer. Então descobri que existe outro perigo que assombra a vidinha dos pobres coelhinhos, eles não tem noção e comem até morrer, não é só a salsa que pode ou não matá-los... aliás, de repente essa história da salsa pode ter ocorrido quando um outro “doninho de coelhinho” encheu o bicho de salsa... ele pode ter morrido de ter comido demais, e não propriamente por causa da salsa. Enfim, chorei uns dois dias diretos... ainda mais quando fiquei sabendo que minha mãe colocou o defuntinho no lixo, junto com casca de batata, de aipim, papel higiênico usado, saquinho de leite e um pirulito sujo de terra (que obviamente deixei cair da boca quando descobri o coelhinho morto)... sim, naquele tempo não separávamos o lixo, aliás, acho que até hoje minha mãe não faz isso... eu faço.

Depois disso jurei que nunca mais teria nenhum tipo de animal, nenhum! Ta certo que tentei peixes de aquário, mas todos os dias amanhecia um boiando... não dava tanta tristeza quanto o coelhinho, pois peixes você não abraça nem pega no colo, mas mesmo assim dava uma tristeza que eu não precisava sentir. Então quando o último peixinho bateu as nadadeiras, troquei o aquário por uma carretilha, uma vara de pescar... já que os peixes morrem mesmo, que morram na minha frigideira.

Começou aí a minha mentalidade de “bicho não tem alma eu sei bem”, e vivi muito bem os últimos vinte e lá vai anos, sem a companhia deles... os animais (exceto baratas, aranhas e outras porcarias que ninguém se livra).

No ano passado, as coisas começaram a mudar quando conheci uma pessoa inacreditável, daquelas que caminham olhando para o chão pra não pisar nas formigas, que não matam nem mosquito, mesmo após ser picada. Um dia, fui mordido por uma formiga, e no meu impulso de sempre, matei ela e umas dez que estavam na volta.

- Não faz isso! Coitadinhas!

- Ela me mordeu essa vaca!

- Mas tu invadiu o espaço delas quando escorou o teu braço no balcão, bem onde elas estavam.

- O balcão é meu! A casa é minha! Elas que invadiram o meu espaço! Quem autorizou esse fuzuê de formigas aqui no meu balcão?

- E tu não matou só a que te picou, tu fez uma chacina!

- Ah, te liga, ta viajando? É só um banda de formiga desocupada.

- O que? Elas tem vidinha também. Elas tem familinha! E tu chama elas de desocupadas, elas que saíram da casinha delas pra buscar comidinha pros filinhos e que agora vão ficar em casa esperando as mãezinhas que nunca mais irão voltar porque tu as matou por divertimento.

Naquele momento eu achei tão engraçadinho o jeito que ela falou, que suspendi a matança por alguns minutos para beijá-la (sim, essa pessoa é minha amada).

Na verdade, essa história das formiguinhas fez com que eu me policiasse ao menos na frente dela e evitasse de matar os bichinhos indefesos, inclusive os insetos, pois segundo ela, todos tem familinha.

Estamos chegando ao presente, onde ocorreram fatos que me motivaram a escrever sobre bichos...

Há cinco meses atrás, surgiram na frente da minha casa, dois gatinhos, filhotes, um preto e um branco. Eram tão pequenos que mal conseguiam andar. Salvei eles dos cachorros que certamente iriam devorá-los, inclusive já estavam prontos pra isso... encontrei a duplinha na hora certa, caso contrário estavam mortos. Fiquei com eles, pois era a única forma de salvá-los, porém ainda fiquei com o pé atrás... e se um deles morrer? E se o que morrer, morrer de uma doença contagiosa e o outro morrer também? Mas tudo bem, gatos tem sete vidas, depois do incidente com os cachorros ainda lhe restavam 6, eu não poderia ter tanto azar de vê-los perder 6 vidas de uma hora pra outra.

No início foi difícil, pois passavam o dia inteiro miando, eram muito pequenos, não deviam ter sido tirados da mãe, pois não sabiam nem tomar leite em pires... tive que comprar uma mamadeirinha e dar de mama pra eles... pois é, quem te viu e quem te vê. Aos poucos me apeguei a duplinha que passava o dia brincando ao meu lado. Eles foram crescendo e conquistando seus espaços, enquanto enchiam a caixinha de areia e quebravam alguns enfeites da estante...

No decorrer desses cinco meses, aprendi muitas coisas com eles, principalmente o poder do whiscas... incrível, devem colocar algum tipo de droga naquilo, não é possível... judiei deles um pouco colocando os dois no filme Vídeo Suicida, onde foram vítimas da esteira e tiveram que contracenar com a bunda peluda do Arroz... mas tudo bem, ganharam salsicha depois (salsicha Perdigão, nada de sacanagem...).

Há quatro semanas, o gatinho preto aprendeu a subir numa árvore pra tentar pegar passarinhos... mas não pegou nada... ainda bem. Na mesma semana, ele descobriu que dava pra subir no telhado do vizinho pela árvore, o gato branco não gostou muito da idéia, pois enquanto o outro ficava lá em cima, ele ficava sem companhia.

Há três semanas, o gatinho branco aprendeu a subir na árvore e já passou pro telhado do vizinho. O preto, que já não achava mais graça em subir, foi dormir e o branco descobriu outros telhados e desapareceu. No outro dia, encontrei ele encurralado no pátio do vizinho, ficou com medo dos cachorros e se escondeu no meio de umas madeiras. Levei ele de volta pra casa, comprei whiskas em sache (que é caro... só dou em datas comemorativas) e os dois gatinhos comemoraram com leite morno noite a dentro quebrando os restos dos enfeites da estante.

Há duas semanas, numa noite de terça-feira, o gatinho branco subiu na árvore novamente e nunca mais voltou. Começou aí uma tristeza que não teve mais fim... o gatinho preto passa o dia miando, pois não entende onde foi parar seu irmãozinho, estava acostumado a comer junto, brincar junto, dormir junto e agora vive só... as poucas horas que fico em casa, o gato fica atrás de mim solicitando carinho, encosta a cabeça nas minhas pernas, fica se esfregando e eu realmente não sei o que fazer pra consolar esse gato. Eu tenho certeza que o gato mais carente da face da terra. Tudo bem, eu consolo ele, mas eu também sofro por isso... parece meio gay isso, mas eu dei de mama pro gatinho e agora ele está perdido em algum lugar dessa cidade cheia de cachorros maldosos.

Cachorros eu falei? Então vamos a última história.

Há uma semana, surgiu um cachorro no meu portão. Filhotão, coisa mais linda, uma mistura de beagle com vira-lata, certamente se perdeu dos “doninhos”, percebia-se ser um cachorrinho bem tratado. Porém, mesmo estando ali, na rua, perdido, ele era o cachorro mais feliz do mundo, não parava um segundo de “loquiar”, passava o tempo inteiro querendo brincar e pior, entrou numas de que era meu cachorro. No primeiro dia, dei atenção pra ele, mas pensei que fosse de algum vizinho. No segundo dia, descobri que ele dormia na grama em frente a minha casa, sendo que esse segundo dia, já era o terceiro que estava chovendo sem parar. Então abri o portão da minha casa e deixei ele entrar na garagem. Ele estava todo molhado, porém bem louco, feliz, pulando em mim e agradecendo a hospitalidade. Deixei ele ali e fui buscar comida, quando voltei ele já havia comido toda a comida do gato... não fiquei bravo, pois não era whiskas, era uma ração vagabunda que já estava ali há dias e o gato só faltava defecar em cima de tanto nojo que ficou da gororoba. Dei pra ele, um pedação de carne crua com osso e ele engoliu tudo em um segundo sem mastigar, pensei “deu, vai morrer engasgado”... que nada, queria mais. Naquele mesmo dia, parou de chover e mandei ele embora... não queria um cachorro defecando no meu pátio. Ele saiu pra rua e retomou a sua rotina, correr de um lado pro outro bem faceiro. A noite, a chuva começou novamente, então abri o portão e ele já foi se aquerenciando na garagem, minha amada descolou uma caixa de papelão, uns trapos velhos e fez uma caminha pro mimoso.

Na manhã seguinte, bateu o sol, comprei ração pro cusco, ele comeu e eu abri o portão pra ele vazar... a idéia era essa, não queria ter cachorro, não queria me apegar em outro bicho, porém o cão mais feliz do mundo era insuportavelmente querido, entortava a cabeça olhando fixo pra mim, gemia pedindo para ficar e tudo mais...

- Pra rua!

Tive que ser grosso pra ele me obedecer. Então disparou pra rua. Então fechei o portão, mas tive dificuldade, pois enquanto eu tentava acertar o buraco do cadeado, ele ficava lambendo minhas mãos pelas frestas da grade...

A tarde, tive que comparecer ao portão pra responder ao questionário do Senso/IBGE... (pois é, até isso tem nessa história), abri o portão pra mulher entrar e ficamos ali mesmo, enquanto eu respondia aquelas perguntas idiotas, o cachorro ficava pulando em mim. Surpresa com a facerice do bicho ela me perguntou:

- Qual é o nome do cachorrinho?

- Essa pergunta é importante pro desenvolvimento do país?

Ela ficou sem jeito.

- Não é uma pergunta do questionário, é curiosidade minha mesmo... desculpe-me.

- Desculpe-me você, eu me confundi... não sei o nome dele, não é meu, esse cachorrinho ta perdido por aí.

- É, mas ele gostou de você.

Em outros tempos, e caso ela não fosse uma baranga, eu certamente diria:

- E você?

Mas naquele momento eu pensei no cachorrinho alucinadamente feliz que não parava de pular em mim “Eu não quero ter cachorro, mas como mandar embora um cachorrinho desses? Tão feliz, tão querido, tão fofinho?”.

A mulher saiu e eu tranquei o portão novamente, com o cachorrinho do lado de fora. Ele ficou me olhando, de pezinho com as patinhas escoradas na grade, carinha de abandonado, admirei aquela figura por um tempo, mas fui forte, entrei e deixei ele lá, estava trabalhando em casa e tinha coisas pra fazer.

Quinze minutos depois, um vizinho me chamou.

- Tu viu o que aconteceu com o teu cachorrinho?

- Não é meu cachorrinho!

Mas logo pensei no pior... e ele concluiu:

- Um caminhão deu no meio dele.

- Tem certeza que é o meu cachorrinho?

- Sim, ta atirado no meio do asfalto. Vem ver...

Fiquei chocado. Claro que eu não quis ir vê-lo. Mas também pensei “se eu não tira-lo de lá, ninguém irá tirar... e certamente minha amada terá um treco quando vê-lo”. Peguei um saco plástico e fui. Quando cheguei em frente ao meu portão, o mesmo portão que eu havia fechado pra ele não entrar, dei de cara com o cachorrinho contorcido no meio da rua. Foi a única vez que o cachorrinho mais feliz do mundo, não pulou em mim.

Peguei ele, coloquei no saco, dei um destino que não importa agora, entrei no meu pátio, não consegui trancar o portão, entrei em casa e não parei mais de chorar.]

A dor da culpa é a pior que existe. O coitadinho só queria um lar, um “doninho”... e havia escolhido eu, porém eu escolhi ser egoísta.

Penso em tudo que poderia ter mudado essa história, qualquer detalhe deixaria ele vivo... tudo bem, um cachorrinho louco daquele jeito, que não parava um segundo de brincar, certamente não iria durar muito na rua... na rua, no meu pátio teria sido diferente...

Hoje saí de casa pra trabalhar, passei pela garagem e vi a caminha improvisada e a tigela com ração... é uma dor inexplicável, se eu pudesse voltar atrás levaria ele pra dentro de casa, deixaria dormir comigo!

Eu não queria ter um cachorrinho pra não sentir a dor da perda, porém ele fez parte de apenas dois dias da minha vida, sem ser meu oficialmente, e causou um estrago sentimental que eu não sentia desde os meus sete anos de idade. Talvez seja o meu perfil, o meu signo, a minha personalidade que me impossibilite de ter animais, pois sou muito sentimental, porém tem gente que não sofre por isso, nem morte, nem desaparecimento, deixo como exemplo um amigo, que tinha há anos uma cadelinha “linguicinha”, um dia ele chegou atrasado a um compromisso e justificou seu atraso desta forma:

- Fui sair de casa, dei uma ré no carro e passei por cima da cadelinha. Demorei porque tive que limpar o chão, pois ela tava cheia de filhotinhos.

E ele me disse isso como quem diz “me atrasei porque tava tomando uma ceva”. Imaginem só... se fosse comigo eu morreria junto.

Porém concluo com isso, com a história do coelho, dos gatinhos e do cachorro mais feliz do mundo, que eu era mais feliz, ou menos triste, quando não havia nenhum animal na minha vida, exceto eu mesmo.

2 comentários:

Tite Grant disse...

Que coisa triste cara...

Márcio Antônio disse...

"Cusco tem Alma eu sei, mas será que vivente tem...?" Cara, ao ler esta história, comecei rindo e acabei chorando, coisa de cachorreiro, você entende? cachorreiro, gateiro, peixeiro, passarinheiro e por aí vai...